Contabilidade geral

12 setembro, 2007

Sistema windows

Tenho um colega que conheci há pouco tempo que vive dizendo que as mulheres funcionam como o sistema windows, várias janelas abertas, mudando de um assunto pra outro de forma repentina e inexplicável. Fica sempre perdido quando eu e uma amiga estamos conversando perto dele. Chegou ao absurdo de dizer que não há diálogo, só porque eu estava falando da dificuldade de se encontrar espinafre em Tete e ela sobre a confusão de caminhões que é a fronteira de Dedza. Pobre mortal de pensamento linear.

E por falar em pobre, e por falar também em pensamento linear... bom, nessa turma nova com a qual eu convivo, tem o Gui (o citado no parágrafo acima). É um amor de pessoa, mas tende a levar as coisas com muita literalidade. Nem parece brasileiro, e pior, carioca. Não acompanha as cambalhotas que a gente dá com os assuntos mais banais, mas por outro lado, tem opiniões bem coerentes sobre coisas realmente sérias. Complexo.

E tem o Júlio, que, se fosse brasileiro, seria um baiano que cresceu no Rio. Ou um carioca que foi aos 10 anos pra Bahia. Não vou comentar muito, pra não ferir orgulhos cariocas e baianos, mas tenta imaginar um malandro de ritmo lento. Um cara que dá voltas e envolve... e acha um jeito de conseguir o que quer, sem alarde. Acho que naquela cabeça não deve passar um pensamento linear há muito tempo, se é que já passou alguma vez.

Uma das coisas que a gente (entenda, brasileiros) mais estranha na cultura portuguesa é a literalidade. Uma parte boa das piadas de Português mais comuns no Brasil poderia muito bem ter acontecido. Não tem nada a ver com burrice, como gostamos de propalar. É a diferença no jeito de pensar e de se comunicar. Lembrei de um caso: uma amiga do trabalho viajou para a Europa numa companhia portuguesa e a comissária perguntou se ela queria almoço. Ela perguntou: "quais são as opções?" e a moça respondeu: "sim ou não".

O brasileiro tem tanta gíria, tanta metáfora, tanto subentendido e tanta insinuação... Em Moçambique a herança portuguesa ainda é muito presente, no sotaque, na burocracia e nessa literalidade. E o caldo que dá quando mistura Francês, Português, Austríaco, Moçambicano, Americano, Brasileiro do Sul, de Minas, do Rio e de São Paulo (isso só pra citar uma das nossas combinações mais recentes) é uma coisa bonita de se ver. Qualquer um exposto a esse tipo de influência tem a chance de "multiculturalizar" o pensamento, desde que queira.

E já que falei em "multiculturalizar"... bom, não sei se já disse isso, mas costumo evitar discussões inúteis. Tem hora que não dá pra evitar. Uma amiga da turma disse uma bobagem que foi impossível pra mim não me irritar. Mas como o argumento dela era muito fraco, a discussão não rendeu. O caso é o seguinte: ela estava observando que muitos dos voluntários e missionários das ONG's, a maioria, são mulheres. Estávamos discutindo sobre a razão disso com um amigo homem que é missionário e ela soltou a pérola: "só mulher problemática". Como assim? O que é ser uma mulher problemática? Quem não tem problemas 'interpessoais", como ela disse?

Tá, eu não sou missionária nem voluntária de nada, mas, costumo achar que quem encontra motivos, quaisquer que sejam, pra deixar sua vida e se dedicar às necessidades de outrem só pode ser uma pessoa melhor. Especialmente melhor que eu e ela, ganhando uma grana preta, cheia de regalias, a serviço de uma multinacional.

E já que falei sobre como isso me irritou, tenho que admitir que eu tenho essa mania de vestir carapuças que não são minhas. Tenho o mau hábito de achar que as críticas são sempre pra mim. Tudo bem que eu me enquadro perfeitamente na definição de problemática dela. Quem nesse mundo de Meu Deus não é problemático?

Um aparte:
- Na frase "num período não superior a doze meses" o a não tem crase, certo?
- Não, porque 'meses' é palavra negativa.
- Como assim?
- É palavra negativa, a gente não põe crase antes de palavra negativa.
- [pensamento] De onde essa louca tirou isso? [Fala] Palavra negativa? Quê que é isso?
- Ah, é masculina, eu ia dizer masculina. Me confundi. Mas até que faz um certo sentido, né?
[risos]

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Eita, eu costumava separar estes posts com linhas tracejadas. Mas a constituição do texto tem tudo a ver com o tema. Isso de pular de um assunto pra outro e ainda assim manter, mesmo num nível maluco, algum fio condutor, pode ser considerado uma arte. E eu faço isso na fala com certa facilidade. Escrever não é tão simples. Tá aí, sistema windows.

Ah, e o diálogo do fim não tem nada a ver com nada. Era só pra radicalizar. Exagerar pra deixar o exemplo claro. Funcionou?

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