Contabilidade geral

18 outubro, 2007

Presentinhos do coração

Meu pai é um amor. Tem lá suas rabugices, seus paradigmas, mas em geral, é uma pessoa super doce. Ele nunca foi de dar presentes, porque sempre teve muitas crianças e pouco dinheiro. Mas isso não significa que ele não queira ou não valorize isso.

Na minha casa, as pessoas costumam dizer: 1) que nós dois somos iguais, especialmente nas chatices (elas têm razão nisso); 2) que ele é meu puxa-saco (eu diria que é só uma questão de afinidade).

Isso tudo pra dizer que, apesar de todos os apertos pelos quais sempre passamos, tenho dois presentes que meu pai me comprou numa viagem: “A rebelião das mal-amadas” e “Vencendo o desafio da pobreza – a erradicação da pobreza através do canibalismo”. São livrinhos que ele encontrou numa rodoviária (acho que de BH) e achou que eu fosse gostar.

O das ‘mal-amadas’ é uma coletânea de crônicas de um tal de Lindolfo Paoliello. Esteve na minha cabeceira por muito tempo, porque crônicas são meu tipo de leitura favorita pra dormir. A capa é superbacana, tem uma espécie de robô, feito com utensílios de cozinha e a crônica que dá título ao livro diz respeito a alguma lei americana que possibilita as esposas processarem seus respectivos maridos por estupro. Nada do machismo que o título pode sugerir. Tem uma crônica, a minha favorita, comentando a obra de Lewis Carrol – Alice no País das Maravilhas. E tem outras coisinhas superbacanas.

O outro livro é uma sátira das desiguldades sociais, propondo doutrinas e estratégias para a ‘obsorção’ dos pobres pelos ricos. Não consigo me lembrar quem é o autor. É legal também. Ambos são de uma coleção do Pasquim, devem ter sido publicados no início dos anos 80, mas são bem atuais. Como não estão aqui comigo, não posso dar mais detalhes.

E tem um livreco que minha mãe comprou numa banca em Aparecida do Norte, pra dar pra minha tia, mas eu gostei tanto que fiquei com ele pra mim. Não é exatamente um presente. É um produto de roubo. Chama-se “Me conta uma mentira”, é uma livro cheio de casos, anedotas e referências, intercalados e relacionados de uma forma pouco lógica mas muito poética e interessante. Só palpites. O cara podia perfeitamente ser um blogueiro. Vou postar um trecho bacana, só pra você entender do que estou falando.

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"Minou Drouet, uma menina de nove anos, encantou toda a França com suas poesias. Mas um dia ela levou umas palmadas da mãe. Estava brincando com um garotinho e deixaram cair no chão um copo de vidro. Minou ficou maravilhada com o som do vidro quebrado e com os lampejos luminosos dos cacos. Pediu ao coleguinha para repetir o espetáculo. O show foi bisado e rebisado várias vezes, custando uma dúzia de copos à prateleira da mãe.
A maioria da platéia - duas crianças - gostou. A mãe, apesar da desvantagem numérica, se julgou uma minoria qualificada e puniu o crime. As palmadas não doeram muito A menina nem chegou a entender a razão do castigo e se queixou: 'Mamãe, a senhora nunca vai apreciar música. Nem sabe bater na gente com ritmo'.
Nosso compositor Hermeto Pascoal, que descobre e arranca música até da água do chuveiro, gostaria de ouvir o comentário da menina.
A menina adorava música. Que haja música, mesmo se for preciso quebrar uma dúzia de copos. Os cacos de vidro têm som, brilho, encanto, poesia. Já repararam como os bebês gostam de atirar coisas no chão?
Se fizessem um plebiscito entre as crianças e as mães, as crianças do mundo inteiro estariam com Minou. As mães concordariam com as palmadas, mesmo sem ritmo. Os adultos acham que um copo é um copo e só serve pra uma coisa, beber. As crianças descobrem que ele esconde beleza e que além de copo é um instrumento musical faiscante de luz e som.
Se o copo falasse, daria razão para a criança. 'Prefiro ser caco com música, deslumbrando crianças'."
[Me conta uma mentira - Rômulo Candido de Souza. Editora Santuário - 1992.]

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